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A Construção do Preconceito no Brasil

Pluralidade, miscigenação, diversidade, liberdade. É isso que escutamos sobre o Brasil desde que nascemos, seja na aula de história ou até em redes sociais. Porém, quando o assunto é religiosidade, existe um limite doloroso.

 

As religiões de matrizes africanas nasceram da resistência dos povos escravizados e, desde aquela época, segue como alvo de preconceito, ataques e discursos de ódio nas redes sociais. Antes de chegarmos na era da tecnologia, é preciso entender quando esses preconceitos foram enraizados no Brasil.

 

O sincretismo religioso é a fusão de elementos de diferentes religiões ou crenças que resultam em uma nova prática ou doutrina, mantendo características das origens. “O brasileiro vem de um período de mais de 300 anos de uma violência que se tornou estrutural. Então, o sincretismo religioso é uma forma de luta, uma forma de resistência”, aponta a historiadora Niminon Pinheiro.

 

Durante a escravidão, práticas africanas foram criminalizadas, associadas ao demônio e, até mesmo, tratadas como algo perigoso, enquanto símbolos católicos eram impostos como a única forma de religiosidade.

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“Quando sai fora do âmbito do cristianismo, tudo é homogeneizado, tudo é demonizado, tudo está relacionado com o bem e o mal, esse maniqueísmo não existe nas religiões de matriz africana”, explica a pesquisadora.

 

Com isso, entende-se que a ideia de liberdade religiosa no Brasil convive, há muito tempo, com uma certa “liberdade condicionada”, onde algumas expressões de fé podiam existir, enquanto outras precisavam se esconder para sobreviver.

A Voz de Quem Resiste

O preconceito com essas religiões não surge do nada, ela nasce do racismo estrutural que atravessa século e, também, de uma construção histórica que transformou o sagrado em algo negativo e demoníaco. Por isso, quando um terreiro é atacado, a violência não acontece somente nesse espaço, ela fere os praticantes, suas identidades e suas ancestralidades.

 

As vítimas da intolerância religiosa lidam com isso nos espaços mais cotidianos, seja no trabalho, na escola, na família, em festas e na internet. “O primeiro preconceito foi na família, eles não aceitaram. Os outros familiares que eram católicos e evangélicos ficaram meio estranhos comigo, tanto é que eu já não ia nas festas de família e isso foi só mais um motivo”, conta Denise Ferreira, praticante do Candomblé.

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O que essas pessoas enfrentam vai além da violência, mexe com o psicológico e pode, em alguns casos, abalar a fé. A dor emocional e espiritual se junto com a dor da injustiça e coma percepção de que a sociedade ainda vê as tradições e crenças como algo do mal. “A gente tem tentado trabalhar isso com as pessoas pra falar que nossa religião pratica caridade, dá cesta básica, faz eventos pra ajudar famílias, mas a gente ainda sofre muito”, explica Denise.

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Porém, mesmo com todo esse preconceito, o que se vê nos terreiros de umbanda e nas casas de candomblé é um movimento de resistência e combate à essa desinformação. Para as vítimas, falar sobre o que viveram é uma forma de cura, pois podem explicar que existe uma história por trás dos batuques, dos rituais e de suas imagens. “Hoje temos visto e sofrido essa intolerância religiosa por conta da internet. Ela é um campo aberto, onde as pessoas postam coisas legais, mas, muitas vezes, postam coisas que demonizam a nossa religião”, expõe Denise.

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A fé que o povo de axé carrega vem da resistência dos navios negreiros, das perseguições, da marginalização e agora da violência digital. E, justamente por isso, as vozes dessas vítimas precisam ser escutadas, para que possam continuar resistindo, através dos cânticos, danças e, acima de tudo, da fé.

Entendendo o Candomblé e a Umbanda

Falar sobre as religiões afro-brasileiras é falar sobre história, território, ancestralidade e sobrevivência. É entender que, ainda hoje, um país que se declara livre sofre com a demonização de práticas que ajudaram a construir sua cultura.

Muitas vezes, o Candomblé e a Umbanda são tratados como se fossem a mesma coisa, porém suas origens, rituais e fundamentos são diferentes.

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O Candomblé possui raízes africanas muito fortes, preserva tradições vindas principalmente dos povos iorubás e seus cultos possuem atabaques, danças, cantos e rituais que seguem fundamentos específicos.

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A Umbanda, por sua vez, nasce no Brasil no início do século XX, ela é marcada pela junção de elementos indígenas, africanos e, também do espiritismo kardecistas. Seus cultos costumam ser mais ligados à incorporação de guias espirituais, como pretos-velhos, caboclos e crianças.

A falta de conhecimento acerca dessas religiões é resultado de séculos de preconceitos enraizados por falta de informação. Nesse cenário, a intolerância religiosa encontra abrigo para crescer e se fortalecer.

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Segundo pesquisadores, a demonização do povo de axé não desapareceu com o fim da escravidão, ela se fortaleceu, se atualizou e se transformou em algo digital, que circula com rapidez nas redes sociais, onde as fake news e os discursos de ódio encontram um lugar para se propagar.

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Assim, surgem histórias de quem carrega no corpo e na memória as marcas dessa violência. Os casos não são isolados e, também, não são exceções, eles são algo muito maior, que se repete muito mais vezes do que deveria.

Violação da Liberdade de Crença

Cada relato evidencia que o país ainda não aprendeu a respeitar sua própria diversidade espiritual, a intolerância já não se limita ao campo simbólico, ela está presente no cotidiano da sociedade. A fé que sustenta os praticantes é a mesma que leva a exigir proteção, reconhecimento e justiça.

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Quando a liberdade de crença é violada, saímos do campo religioso e entramos num cenário criminal. A Constituição Federal determina que toda expressão religiosa deve ser protegida, garantindo liberdade de culto, preservação de rituais e respeito aos espaços sagrados. O Código Penal caracteriza a intolerância religiosa como crime, existem leis específicas que asseguram o combate à discriminação, à injúria e as práticas de ódio.

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A Lei n° 7.716/1989, conhecida como Lei do Racismo, define e criminaliza os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. Além dessa, há também a Lei n° 9.459/1997, que incluiu a discriminação ou preconceito contra religiões como crime e tornou infrações relacionadas ao racismo e à discriminação religiosa passíveis de punição. Portanto, os decretos reafirmam que ataques à fé alheia ultrapassam o campo moral e precisam ser apurados e punidos pelo Estado.

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No papel, o Brasil se destaca como um país laico e livre, porém, o cotidiano mostra que entre a lei e a vida existe um abismo. Muitos casos de intolerância não chegam até as delegacias, muitas vezes pelas vítimas acharem que não mudará nada, algumas vezes os casos são tratados como “mal-entendidos”.

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A responsabilização pelo crime quase nunca acompanha a violência proferida e, assim, o apagamento histórico que recai sobre as religiões de matrizes africanas ainda contamina a forma como as denúncias são acolhidas pelo poder público

Afinal, como funcionam as leis na prática? Onde e como avançam? Quais caminhos existem para que a liberdade religiosa seja um direito exercido e não um ideal no texto constitucional?

Entrevista com Fernanda Nanni

A Intolerância em Números

Quando aprofundamos o olhar sobre a intolerância religiosa, nota-se que não é um conjunto de histórias individuais, ela aparece de outra forma. Estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que 49% dos participantes de grupos religiosos no WhatsApp já receberam fake news relacionadas à fé, enquanto 18% admitiram ter repassado conteúdos falsos sem checar.

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O Candomblé e a Umbanda aparecem como os alvos mais frequentes, evidenciando como a desinformação reforça o racismo religioso já presente no país. De acordo com o Disque 100, órgão federal responsável por registrar violações de direitos humanos, mais da metade das denúncias de intolerância religiosa em 2022 envolvia as religiões afro-brasileiras, mesmo representando uma parcela menor da população.

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Outro estudo, desenvolvido pela Ogilvy Brasil em parceria com o Eixo Benguela mostra que as religiões de matriz africana são as mais atacadas nas redes sociais brasileiras. Este estudo revela, ainda, que a maior parte dos ataques associa de forma mentirosa símbolos e rituais à ideia de “mal” ou “perigo”.

As religiões de matrizes africanas carregam valores, identidade e séculos de história que se transforma, a cada dia, em resistência. A desinformação, antes restrita a conversas privadas, hoje se espalha com a rapidez de um toque na tela e, dessa forma, as notícias falsas chegam antes das notícias verdadeiras, os discursos de ódio encontram força no algoritmo.

 

As histórias seguem sendo contadas, os terreiros continuam de pé, o povo continua dançando e rezando. Rezando por mais respeito, por mais dignidade e por um futuro sem medo de ser livre e seguir sua fé.

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Enquanto houver um tambor batendo, haverá resistência. Enquanto houver resistência, haverá futuro.

 

E que esse futuro seja plural, seguro e, sobretudo, justo.

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